Série: Práticas que Transformam

Por Tony Felicio

 

Minha grande expectativa quando criança era ir para casa de meus avós no interior da Bahia. Na minha cabeça aquele era um lugar mágico. Tinha piscina, parquinho e um tio que sempre me levava para alguma aventura. O mais marcante, entretanto, era a hora da mesa. Quando o sininho tocava, todos tinham que se juntar e sentar para comer. Cada um tinha seu lugar. A cabeceira era do meu avô e minha avó sempre ao lado dele. Meu tio que morava com eles, sentava-se a outra cabeceira e minha tia, depois de servir a todos, sentava-se ao lado dele.

O cardápio tinha aquele sabor encantado que somente a simplicidade da comidinha caseira pode oferecer. Minha tia, que preparava a comida e a mesa, sempre tinha um toque de surpresa quando colocava perto da gente algo que ela sabia ser nossa comidinha predileta. Perto do meu avô tinha um queijo muito gostoso, perto do meu tio sempre tinha uma coca geladinha e, para mim, aquele pernil de carneiro que ela descobriu que eu gostava e sempre preparava quando eu ia para lá. Eu cresci observando e absorvendo os muitos ensinos transmitidos por aquela mesa.

Os mais velhos devem ser honrados com o melhor lugar e com o privilégio de se servirem primeiro. As mães, que sempre servem, merecem nossa profunda e permanente gratidão.  O amor delas é exigente e ao mesmo tempo delicado. A mesa tem lugar para todos. Nós éramos cinco visitas em uma casa que já tinha cinco moradores, mas sempre éramos bem-vindos. Honra, gratidão, hospitalidade e generosidade são lições que aprendi na mesa.

Hoje em dia, em muitas famílias, a mesa tem sido desprezada. Muitos comem na frente da TV, cada um numa hora diferente, sem a chance de perceber os outros e interagir num momento que seria tão prazeroso. Numa época em que se fala tanto de conexão, as pessoas estão desconectadas. Faltam estratégias simples que criem oportunidades diárias de relacionamento. Que tal transformar a mesa em uma rotina poderosa?

Um projeto* da Universidade de Harvard, envolvendo várias pesquisas durante 15 anos, revelou algo surpreendente: os adolescentes mais bem-sucedidos em escolas, com melhor equilíbrio emocional, e que não tinham a prática do uso de drogas nem do sexo ilícito eram aqueles que comiam com seus pais à mesa por, ao menos, cinco dias durante a semana.

A mesa é poderosa porque se repete todos os dias. Hábitos formam cultura. O que fazemos esporadicamente tem um efeito momentâneo, mas o que fazemos constantemente forma valores. A mesa é lugar de escuta onde cada um pode ouvir o outro contar como está seu dia, seu coração. É onde se pode olhar de frente e perceber o rosto, na verdade, o coração que aformoseia ou deforma o rosto. Nesse lugar de acolhimento e conselho o senso de pertença é fortalecido. A mesa também é lugar de honra. Quando a melhor parte do frango é dada para o pai e ele gentilmente a oferece para a sua esposa, uma lição sem palavras é transmitida. O dar graças antes de comer faz da mesa um lugar de culto. Seja pelo café com pão (sem manteiga) ou pelo almoço farto com aquela picanha maturada, Deus é digno de ser agradecido. Tudo vem d’Ele e deve servir para a glória d’Ele. Quando todos se preparam para estar juntos à mesa, estão treinando os mandamentos recíprocos, aqueles do tipo “uns aos outros” em que o objetivo de um é sempre o outro e não a si mesmo. Quem briga pelo melhor pedaço, quem fala sem olhar no olho, quem interrompe a fala do outro negando uma escuta acolhedora pode se perceber, ser tratado e transformado.

Não é sem propósito que Jesus, antes de ir para a cruz, fez questão de uma mesa. Ele enviou os discípulos para preparar a ceia em uma casa. Sentou-se com eles e repartiu pão e vinho. Naquela circunstância, Jesus também se levantou para lavar os pés dos discípulos e lhes ensinar que maior é o que serve. Ao redor da mesa, grandes lições são aprendidas por pessoas que escolhem amar e conviver umas com as outras. Jesus mandou que os discípulos fizessem aquela ceia todas as vezes que se reunissem em memória dele. Eis mais um poder da mesa: produzir memórias, informações gravadas que influenciam decisões e escolhas. Nossas famílias são lugares de construção de histórias. Nossos filhos serão protagonistas de suas vidas quando aprenderem a ser personagens das histórias de suas famílias. A mesa é poderosa porque estabelece tempo rotineiro de convivência em um contexto prazeroso (comer e beber). Tudo o que insistirmos na mesa praticada com propósito e alegria se tornará realidade na vida de quem se senta ao redor dela. Vamos entrar em casa e preparar a mesa? Vamos honrar, servir, olhar e escutar? Enquanto nos deliciarmos com a presença de Jesus em nossos relacionamentos, poderemos até provar uma comidinha bem gostosa.

Para pensar em família:

  1. A forma como a mesa tem sido utilizada em nossa casa favorece nossos relacionamentos?
  2. Quais valores podemos trabalhar em nossa casa enquanto estamos ao redor da mesa?
  3. Já que é difícil ter todos os membros da família em casa, como podemos garantir o mínimo desse tempo juntos diariamente?
  4. Para praticar:
    1. Sentado à mesa, cada um deve falar como foi o seu dia e trazer uma palavra de bênção para outra pessoa da mesa.
    2. Estabeleça dias da semana para diferentes pessoas da família prepararem a mesa. Um pode fazer uma receita nova, outro pode colocar a mesa, outro pode enfeitar a mesa…
    3. Durante uma refeição, o pai ou a mãe sugere uma palavra e todos dizem o que pensam sobre ela. Depois os pais podem aplicar essa palavra na vida de cada um e na realidade da família. Por exemplo: liberdade. Todos dizem o que pensam sobre ser livre e depois os pais falam o que Deus pensa sobre esse tema e como vão praticá-lo em família.

* Essas pesquisas são citadas no livro “A Experiência da Mesa”, de Devi Titus. Recomendo a leitura. Para uma consulta rápida sobre os dados citados. Segue o link https://www.bbc.com/portuguese/geral-45424589.